Jean Rouch
Jean Rouch nasceu em Paris de 1917. Formou-se em 1941 em engenharia civil pela École des Ponts et Chaussés e deixa a França no mesmo ano para trabalhar nas obras públicas em África. Aí descobre os mistérios da religião e da magia Songhai e decide estudar etnologia. Em Paris frequenta os cursos de Marcel Mauss e de Marcel Griaule. Inicia o doutoramento com Marcel Griaulle sobre os Songhay em 1947 que termina em 1952. Em 1953, com Henri Langlois, Enrico Fulchignoni, Marcel Griaule, André Leroi-Gourhan e Claude Lévi-Strauss, funda o Comité do Filme Etnográfico. Faz o seu primeiro filme em 1948. Da sua obra cinematográfica constam cerca de centena de meia de filmes. A sua influência prolonga-se até à atualidade no cinema e na antropologia. Foi reconhecido primeiro pelo cinema e só posteriormente começou a ser reconhecido na antropologia. Influenciou as práticas da antropologia visual debatidas no primeiro Congresso de Antropologia Visual (1973). Os filmes de Jean Rouch tornaram-se referência paradigmática (Ginsburg, 1999) e escola, continuada em múltiplos lugares. Na Universidade de Nanterre com os cursos de Cinéma, Audiovisuel, Culture et Société, na EHESS – École des Hautes Études en Sciences Sociales (Paris, Marselha) e noutras instituições como os Ateliers Varan que expandiram a formação em cinema um pouco por todo o mundo. Algumas questões relevantes depreendemos das suas palavras. Estas poderão orientar esta mesa redonda:
- A essência do fazer etnografia e do fazer cinema é a relação - enquanto génese, possibilidade e resultado de uma narração - esta relação é entre sujeitos e o conhecimento na Antropologia e no cinema surgem como possibilidade da subjetividade.
- Para mim, o cinema, filmar, é como a pintura surrealista: a utilização dos procedimentos de reprodução mais reais, mais fotográficos, mas ao serviço do irreal, do colocar em presença elementos irracionais (Magritte, Dali). (Rouch apud PrØdal, 1996: 57). Neste sentido, o projeto surrealista ao pregar uma libertação na arte e na vida propunha uma conciliação que estaria, por assim dizer, na base do projeto rouchiano: arte e ciência (Bento, 2006:47).
- Eu considero-me ao mesmo tempo cineasta e etnólogo. Eu acho que a etnologia é poesia. Não acredito muito nas ciências humanas, como já disse várias vezes. Afinal de contas, as ciências humanas são algo de terrivelmente subjetivo (Rouch, 1972 :7 apud (Da-Rin, 2004:149).
- Para mim, como etnógrafo e cineasta, não existe quase barreira entre filme documentário e filme de ficção. O cinema, a arte do duplo, é sempre a transição do mundo real para o mundo imaginário, e etnografia, a ciência dos sistemas de pensamento dos outros, é um permanente cruzar de um universo conceitual para outro; ginástica acrobática, em que perder o pé é o mínimo dos riscos. (Rouch, 2003c:185).
- Aprendi com os Dogon uma regra incrível, que se transformou na norma da minha vida, que é fazer de conta como fazemos agora. Fazer de conta que o que dizemos é verdade... os Dogon contam uma história que não aconteceu com eles, mas nas montanhas mandingas, há uns 1000 anos talvez. Eles fazem de conta que aconteceu no país Dogon. Eles dizem: aqui se criou fulano, aqui desceu e morreu a raposa.... Eles narram um mito que nunca aconteceu lá, mas foi em outro lugar, mas eles fazem de conta, e fazendo de conta ficamos mais perto da realidade. Tenho consciência de ter feito de conta a vida toda. Fiz de conta que era engenheiro de estradas, fiz de conta que era ex-combatente. Fiz de conta que lutei na guerra. Fiz de conta etc...E era verdade.
- • Tudo o que eu posso dizer hoje é que no campo o simples observador se modifica a si mesmo. Quando ele está a trabalhar ele não é mais aquele que cumprimentou o velho homem ao entrar na aldeia. (...) ele está cine-etnoolhando, cine-etno-observando, cine-etno-pensando. Aqueles que com ele interagem igualmente se modificam a si mesmos, a partir do momento em que confiam neste estranho habitual visitante. Eles etno-mostram, etnofalam, (...) etno-pensam, ou melhor ainda, eles têm etno-rituais. este permanente cine-diálogo que me parece um dos ângulos interessantes do atual progresso etnográfico: conhecimento não é mais um segredo roubado para ser mais tarde consumido nos templos ocidentais de conhecimento, o resultado de uma busca interminável onde etnógrafos e etnografados se encontram num caminho que alguns de nós já chamam de antropologia compartilhada (Rouch, 2003c:185).
Extratos de O Real Imaginado - Etnografia, Cinema E Surrealismo em Jean Rouch de Marco António Gonçalves
Participação
Fernanda Aguiar Martins, Curso de Cinema e Audiovisual da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia – UFRB, LACIS - Laboratório de Análise e Criação em Imagem e Som (UFRB/CNPq). e Association de Recherche et de Production d´Images en Anthropologie et Art - ARPIA (Paris, França)
. Jane da Silva Pinheiro Faria, Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Pernambuco
. José da Silva Ribeiro, Universidade Federal de Goiás, AO NORTE . Patrícia Monte-Mór, Universidade Estadual do Rio de Janeiro e Interior Produções
. Philipi Bandeira, Coordenador do Curso de Cinema e Audiovisual do Centro Universitário UNINTA, em Sobral, Ceará
Mesa redonda aberta a todos os interessados.