O cinematógrafo, verdadeira revolução científica e técnica no século XIX que fascinou os primeiros espetadores, ao procurar temas para futuras realizações não podia ficar insensível ao potencial dramático de episódios históricos. Revoluções com os seus heróis e heroínas, os seus atos de violência e de bravura, as suas declarações e proclamações surgem como assunto de filmes. Não é pois de estranhar que Georges Hatot realize para os irmãos Lumière em 1897 dois filmes históricos sobre os fins trágicos de figuras maiores da Revolução Francesa, Marat e Robespierre. Por seu turno, em 1908 a Revolução Americana é retratada no The Spirit of '76 de Francis Boggs e a revolta de trabalhadores e marinheiros que antecede a Revolução Russa é encenada por Sergei Eisenstein n’O Couraçado Potemkin, filme rodado em 1925 na cidade portuária de Odessa na atual Ucrânia. Este pioneirismo na representação no movimento da História será seguido por outros países como Portugal. Manuel Maria da Costa Veiga, fundador em 1899 da primeira empresa produtora e distribuidora de filmes, realiza em 1910 a Revolução de 5 de Outubro que será exibido em várias localidades, nomeadamente em Ponte de Lima, sessões de cinema amplamente noticiadas de que falará Ana Catarina Amorim de Lima. Mas outras revoluções serão objeto de filmes portugueses como, em 1937, A Revolução de Maio, filme de propaganda de António Lopes Ribeiro sobre Salazar e o Estado Novo. Película evocada oitenta e três anos mais tarde por João Botelho numa mise en abyme no filme O Ano da Morte de Ricardo Reis de que nos falará André Campos. Gerald Bär evocará a ausência no circuito comercial português antes do 25 de Abril de 1974 de filmes tematizando revoltas estudantis de finais da década de 1960. Deste momento de experimentação patente na revolta de estudantes da Universidade da Sorbonne em Maio de 1968, que encontra eco um ano mais tarde em Portugal com a Crise Académica, falará Luís Gonçalves. O 25 de Abril de 1974, cujos acontecimentos encontram-se plasmados em filmes de ficção e documentários, está igualmente representado de forma subjetiva em Amanhã de Solveig Nordlund (2004) curta metragem de 15 minutos e a de uma equipa de reportagem suíça em As Ondas de Abril (Les Grandes Ondes) de Lionel Baier (2013), longa metragem de 85 minutos.
A realidade social do período que atravessa o final do século XIX e o início do século XX caracteriza-se por um conjunto de transformações que conduz à queda do regime monárquico e a ascensão dos ideais republicanos, já consolidados na opinião pública e na emergência dos movimentos sociais. Num contexto marcado por mudanças, as primeiras sessões cinematográficas são exibidas, oficialmente em 1896, na capital, estando a par desse acontecimento a imprensa como um forte instrumento de divulgação e promoção da estreia do cinematógrafo, gerando uma onda de entusiasmo geral (Pina, 1986). Assim, a “imagem em movimento” revelou-se, desde logo, uma revolução tecnológica e cultural, capaz de despoletar a iniciativa de particulares e empresários em localidades rurais, a fim de reunirem as condições técnicas e as estruturas físicas para a exibição das primeiras películas, como é o caso da vila de Ponte de Lima, em 1907. Neste trabalho de pesquisa, com o recurso a notícias de fontes primárias (Imprensa Periódica), classificadas por Pina (1986) como “elementos preciosos para a investigação do nosso passado fílmico”, procura-se contextualizar a chegada do cinematógrafo a Ponte de Lima, as condições técnicas e a impacto das sessões cinematográficas, dando enfoque a algumas películas referidas nos Jornais locais.
O cinema é, desde sempre, um território privilegiado para a representação das revoluções políticas. Essa re-presentação pode assumir vários ângulos, dos apologéticos e propagandísticos aos críticos e subversivos. O filme O ano da morte de Ricardo Reis (2020), de João Botelho, adaptação do romance homónimo (1984) de José Saramago, inclui uma sequência que recria a rodagem de A Revolução de Maio (1937), de António Lopes Ribeiro, título maior da propaganda salazarista. No cinquentenário da chamada Revolução dos Cravos, a reflexão que propomos tem como ponto de partida esta representação do cinema (de 1937) pelo cinema (de 2020) e detém-se no diálogo encetado pela lente de Botelho, aqui valorizado enquanto recriação intencionada e historicamente situada não apenas de um objecto cinematográfico, mas sobretudo do seu universo referencial.
Esta retrospetiva sobre a receção de vários filmes de longa-metragem que tematizam a revolta estudantil no final dos anos 60 analisa publicações em revistas especializadas portuguesas. Serão abordados problemas da estetização da violência, do potencial subversivo de filmes, tal como: La Chinoise (O Maoísta), Jean-Luc Godard, 1967 (Fr), If ... , Lindsay Anderson, 1968 (GB), Alice’s Restaurant, Arthur Penn, 1969 (US), The Strawberry Statement, Stuart Hagmann, 1970 (US), Zabriskie Point, Michelangelo Antonioni, 1970 (US). O objetivo desta apresentação será encontrar e debater as razões para a ausência destes filmes no circuito comercial português e as consequências políticas desta ausência. Algumas respostas encontram-se nos arquivos da censura da Torre do Tombo. A abordagem implica também a análise de determinados efeitos que a representação visual da violência pode ter e o implícito dilema entre as categorias éticas e estéticas, incluindo a relevância da banda sonora e a ligação com os protestos anti-guerra.